Fernando Girão
Vivemos pra nada
De tentativas frustradas, de aparencias, de ilusão
Suportando com um sorriso nos lábios
As ordens de quem manda
Vivemos sozinhos
Com os nossos dilemas, entre o dever moral
De escolher um caminho, escolher um partido
Uma religião, qual o mau e qual o bom
Vivemos sem escolha
Fechados dentro de nós mesmos
Não contamos segredos em frente ao espelho
Com medo de tudo que saia das normas
E a falsa alegria que nos adorna
É um enfeite vulgar
Vivemos perdidos
Nos mapas das cidades, nas linhas dos telemoveis
No horário dos transportes, nas discotecas do momento
No preço dos livros,
Nas televisões baratas
No não acesso à cultura, perdidos na estranha loucura
De quem já não sabe sonhar
Vivemos de extremos
De prazeres bizarros, de vicios academicos
De discursos não entendidos
De tiros no ar acaso, num eterno voo raso
Sem consistencia sem alma numa enganosa calma
Que tão bem representamos
E grandes actores somos em palcos individuais
Cada vez mais somos iguais, somos menos originais
Vivemos da concorrencia, do que um faz e o outro pensa
De advogados inteligentes, na base da dor e do grito
E puxamos o tapete mesmo a quem nos aceita
Vivemos de tudo
De engodos, de logros, de expedientes baratos
Do sangue dos inocentes, de um temor sempre presente
Da já não ter confiança, e essa má onda crescente
Que quase apalpamos no ar
Pouco a pouco nos sufoca
Vivemos com medo
Da vida, dos outros, de perdermos o emprego
Do aparecer das rugas, da velhice prematura
Da morte segura, de não termos nunca sorte
Da inveja do vizinho
Dos carros loucos nas estradas, da nova doença conhecida
Da poluição, da corrupção, da política
De alguma vez pisar a linha que separa a civilização
Da escura ignorancia, da mentira, da inconstancia, da inocencia perdida.
Vivemos tão cansados
Conformados com a nossa dor
Com essa falta de amor
Que fingimos não ser nada
Eu não quero esse amanhã
É preciso ter cuidado
Aqui anda tudo errado
O mundo de pernas para o ar
É necessário não voltar
Aos mesmos erros do passado